sábado, 15 de setembro de 2012

Caminhamos em silêncio por uma trilha na floresta densa. Wellington vai à frente, junto com o guia. Tudo é escuridão, apenas nossas pequenas lanternas, parecendo  vagalumes, iluminam o caminho. Alguns tentam se proteger através de pequenos risos e rápidas conversas. E vamos subindo floresta adentro.
O lamento de um cão permeia a noite. Chama por sua companheira, que partiu. Seu pesar transpassa nossos corpos. Fiel a ela e à dor, uivando do mais profundo, ele a sente mais perto. Mas esta é outra história. Seguimos à frente, pela vereda.
Chegamos a uma clareira. Existe uma bela fogueira ao centro, troncos de árvore ao redor da fogueira nos esperam gentilmente, emprestando suas formas para que os usemos como bancos, para nosso melhor conforto.
Sentados, aguardamos. Por detrás da floresta, atrás de nossa roda, surge um ser engraçado, colorido e com as faces brancas, gritando:
-" Vagalume vem! Seu pai tá qui, sua mãe tá qui, sua família tá qui, tá to do mun daqui!!
- Vagalume vem! Seu pai tá qui, sua mãe tá qui, sua família tá qui, tá to do mun daqui!!"
Um tímido vagalume aparece em meio às arvores, dá uma espiadela, mas não demonstra muito interesse e vai embora.
O insólito habitante daquela floresta se desespera e insiste:
- "Vagalume vem! Seu pai tá qui, sua mãe tá qui, sua família tá qui, tá to do mun daqui!!
- Vagalume vem! Seu pai tá qui, sua mãe tá qui, sua família tá qui, tá tu daqui!"
Vira-se para nós e diz, sorrindo:
                - "Ele gosta de música!"
A música começa e uma comunidade inteira de vagalumes surge nas árvores, dançando. A música para, eles se vão. O rapaz chama novamente. Nada. A música volta, eles retornam e continuam sua dança. Um vagalume, de outra família, também gostou da música e atravessou a clareira pelo alto das copas  das árvores, partindo junto com a música. Mas o amigo do vagalume não desiste, entra na floresta e volta com uma lanterna, destas antigas, de suporte, com seus amigos vagalumes dentro dela. E vai embora feliz para o outro lado do bosque.
Alguém senta-se no tronco vazio, havia um, e começa a tocar uma flauta de madeira, ou um outro instrumento rústico de sopro, remetendo-nos  ao oriente asiático. Surge outro habitante, uma velha senhora, com um xale grande, chinesa talvez, não sei, está escuro. É mais um espírito daquele bosque. Caminha curvada, devagar, com o peso de quem carrega muitas histórias da vida. Entra em nossa roda.
- “Vou contar para vocês a história de dois jovens que viviam em um reino muito distante daqui. Eram Tung e Sheng...
O rei os havia enviado para uma importante missão. Após vários dias, estavam caminhando por um bosque quando caiu uma forte chuva, os dois foram buscar abrigo. Encontraram um velho templo em ruínas. Ao se aproximarem, um monge velhinho que lá habitava abriu-lhes a grande porta. Acolheu-os, mostrou-lhes o templo escuro, em ruínas, e comentou:
                 - Tudo aqui está em ruínas, mas temos ao fundo um enorme painel pintado, o mais lindo que já existiu. Muitos viajantes vêm aqui apenas para admirar esta maravilhosa obra de arte.
Os rapazes, curiosos, quiseram ver a pintura. Era enorme. Havia montanhas, muitas árvores muito altas, o sol iluminava a tudo, muitas casas no povoado, muitas pessoas, quando Sheng notou, ao centro do quadro, a mais bela jovem que já vira, com longas e grossas tranças que iam até a cintura, ela colhia flores em um cesto. Sheng ficou absolutamente apaixonado, jamais sentira tamanho amor em toda sua vida. Ficou admirando, quando de repente a moça lhe sorriu e saiu correndo, ele correu atrás. Quando se deu conta, estava dentro do quadro. Continuou correndo atrás da moça. Apaixonados, casaram-se. Foram para a casa da jovem, onde viveram sua mais bela noite de amor. Na manhã seguinte, a jovem tinha seus longos e belos cabelos presos ao alto, em um coque, como era o costume das mulheres casadas. Felizes, tomavam seu desjejum, quando ouviram um barulho enorme, pisadas que tudo estremeciam. A jovem disse a Sheng que silenciasse, e foi espiar o que ocorria. Viu pela fresta da porta botas gigantescas de metal, uma voz grossa urrava, enquanto toda a população olhava temerosa:
                - HÁ UM HUMANO AQUI!!! VOU ENCONTRÁ-LO E DESTRUÍ-LO, NÃO PODE FICAR AQUI, JÁ PROCUREI EM TODA A CIDADE E AINDA NÃO ENCONTREI, FALTA APENAS ESTA CASA!
Apavorada, manda Sheng se esconder embaixo da cama.
Enquanto isto, do lado de fora do quadro, Tung dá por falta de seu amigo e pergunta ao velho monge se sabe de Sheng. O monge responde que não. Naquele mesmo instante, Sheng reaparece. O amigo lhe pergunta por onde andou e ele, ainda um tanto zonzo, responde que não sabe. Só lembra de um enorme barulho de trovão que o trouxe de volta. Olha novamente o quadro, tudo está igual, exceto a jovem, que continuava linda, colhendo flores, mas tinha agora os cabelos presos ao alto, em coque, como era o costume das mulheres casadas.
A chuva havia passado, os amigos se despediram do monge e partiram continuando sua caminhada.”

(Não podemos permanecer no paraíso, temos sempre que continuar nossa jornada, mas o amor transportou este jovem para outra esfera, e nunca mais, nem ele, nem ela, foram os mesmos – Nota da escritora).

A velha senhora oriental foi embora, junto, sua música oriental também se despede de nós. Aparece em nossa roda uma simpática e divertida senhora mineira, bem mais jovem do que a primeira, a nos contar os causos de lá de sua terra.
Outros dois seres, parecidos com aquele amigo dos vagalumes, mas penso que da terra desta nova visita, aparecem por detrás da roda, um rapaz e uma moça. A música é aquela: “Não há ó gente ó não luar como este do sertão...” A moça carrega uma mala, e está parada como quem espera um trem, ou um ônibus. De repente, a sorridente moça colorida vai abrindo sua mala e o luar vai saindo de dentro desta, até que a música vai findando, junto com o luar.
Depois o rapaz e a moça acabam se conhecendo. Através de rituais luminosos, coloridos e engraçados, que só o próprio casal entende, se apaixonam, e vão embora juntos e felizes.
A nossa amiga mineira então nos pergunta:
                - Alguém aí acredita em princesa?
Ninguém.
                - E em príncipe?
                - Ah, todos acreditam, né? Então, se tem príncipe, tem princesa!
- “Eu tenho duas em casa” – comenta um de nós.
E começamos a descobrir princesas. Algumas das meninas do grupo confessam que também são princesas.
                - Eu tinha uma vizinha princesa, dessas que não fazem nada o dia todo. Resolveu fazer uma faculdade de Adivinha, se especializou, e ninguém era melhor do que ela.
E vai contando a saga dos cavaleiros que se aventuravam a desposá-la, porque para ter sua mão tinham que ser melhores adivinhos do que ela. Muitas cabeças rolaram nestas tentativas, coisas de princesa.  Até que o último, um pobre plebeu (já que os cavaleiros nobres haviam perdido suas cabeças), por acaso, se é que o acaso é acaso, adivinha mais do que ela e se torna seu príncipe.
Conta mais alguns “causos” e se despede. É hora de irmos embora. Assim como Sheng, retomamos nossa estrada – e com nossos vagalumes.                                                                           
Chegando de volta, o salão estava preparado à nossa espera, com velas em um candelabro de madeira ao centro, colchões formando uma roda para que todos se sentassem confortavelmente, chocolate quente e pipoca. Feito mãe quando a gente volta para casa, depois de muito tempo longe.
                                                                                                                                                Erica Lorenz

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